E aí Frei Damião disse: 'Quereis o comunismo?'
Certa vez fui pautado pela chefia de reportagem da Tribuna do Norte para entrevistar a venerável figura
de Frei Damião, o santo do sertão, amado do povo, protegido de Deus e de Nossa
Senhora, vindo da distante cidade de Bozzano, Itália, para cuidar do rebanho de
sertanejos, preservar a fé e encaminhar as almas todas para o Céu.
Fui à cidade de Ceará Mirim, pouco mais de 30 minutos de Natal, onde ele se
encontrava. Encontrei-o na igreja matriz. Abençoado templo povoado por imagens
de santos e de anjos, querubins e serafins. A pequena e cândida figura atendia
em confissão a enorme fila de mulheres cobertas por véus e envoltas em doce
auréola de rezadeiras, como só as existem no Nordeste. Mulheres suadas de fé.
E eu fiquei olhando para elas. Atentei para suas bocas que fervilhavam baixinho
rezas velhas, mistérios sussurrados em uma língua estranha que jamais consegui
apreender desde quando, ainda menino, olhava minhas tias fervorosas diante de
uma vela e de uma imagem de Nossa Senhora. Deviam ser coisas muito altas,
evoladas da inefável religião dos bons, augúrios de uma vida melhor depois da
morte, quem sabe o repouso calmo no regaço da Virgem.
Preste atenção na boca de uma velha rezadeira: é ali que mora a alma, tenho
certeza. A minha mente de repórter, todavia, estava preocupada com algo mais
urgente e menos devoto: o tempo. Eu tinha hora para voltar à Tribuna do Norte e
fazer o meu texto.
Com alguma insistência junto a um auxiliar do beato consegui parar a confissão
e ele me atendeu. Confesso, sem trocadilho algum, que nem mesmo sei o que
perguntei. Mas, o que mais valia era relatar o encontro dulcíssimo do
pastor com o seu rebanho, captar o ambiente angélico, a doçura do olhar do
Frei, seus conselhos e penitências passadas àquelas pessoas sacras e pias.
Saí, confesso novamente, com a alma cheia de alguma candura - certamente
meu coração de repórter feio e mau tocado pelos instantes miríficos. Assim, de
volta à Redação, encontro com outra figura humana portentosa: Dorian Jorge
Freire, diretor de Redação. Católico, minúsculo de tamanho mas enorme em
sabedoria e humanismo.
Terminado o meu texto, Dorian, que também tinha grande espírito de humor,
contou-me o seguinte: Certa vez, Barreto, Frei Damião estava com suas
missões pelos sertões distantes. Fazia sua costumeira pregação contra o pecado,
a devassidão e o adultério. Defendia o sacramento do matrimônio e dizia que sem
ser casado homem e mulher eram "como o cachorro e a cachorra, o touro e a
vaca." . Advertia também a todos contra o perigo do
comunismo vermelho e ateu.
E dizia: "O comunismo é pecado grande, pecado mortal. O comunismo é a
besta-fera que vem para desafiar o Evangelho. O comunismo é o perigo até mesmo
para as mocinhas." O povo olhava e ouvia tudo, pasmo, temeroso, pronto
para fugir, caso o comunismo chegasse a qualquer instante.
Parecia até que o comunismo estava por ali, pronto para desferir seu bote.
Afinal, Frei Damião fez sua última invectiva contra o comunismo periculoso e
bradou ao povo sertanejo, como se fora um novo Conselheiro: "E então,
quereis o comunismo?, e o contrito povo, procissão desvelada e crente,
respondeu piedosamente, em coro monumental "Quereis!"
Nenhum comentário:
Postar um comentário