quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

 Elza Soares partiu; ela agora pisa num chão de estrelas

Por Emanoel Barreto

O Brasil perdeu Elza Soares – foi-se embora quem não podia faltar.

Somos agora um samba acabado, uma voz calada, um silêncio grande, uma larga tristeza. A bateria parou em respeito para abrir alas aos versos de Nelson Cavaquinho: “Tire o seu sorriso do caminho/ Que eu quero passar com a minha dor.”

Elza era alegria e sofrimento, dor e força, coragem e talento. Tudo isso a marcou, toda essa mistura deu o tom de sua vida. Era fulgurante. Elza do Brasil. Foi casada com uma das lendas do futebol brasileiro, Mané Garrincha. Ele sambava com a bola, ela era a passista do grande gênio de pernas tortas.

A carreira começou em 1953 quando participou do programa Calouros em Desfile, de Ary Barroso. Paupérrima, usava um vestido da mãe, ajustado a seu corpo com alfinetes. Barroso, zombando de sua aparência, que incluía um penteado que ampliava sua figura de criança favelada, perguntou de que planeta ela viera. Resposta:

"Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome." Ela sabia do que falava: ela passava fome mesmo. Sofrimento era coisa de todo dia. Fora casada à força aos doze anos e aos treze já era mãe. Mas, ali, perante Ary Barroso surgia a voz do Brasil, nascia Elza Soares, voz e grito.

O Brasil é, e isso ela deixou bem claro, um país que canta vestindo uma fantasia de alegre viver, mas no fundo traz uma dor profunda e sentida. Explica-se: o Brasil é o planeta fome. Caetano Veloso já disse: “O Haiti é aqui.”

Sua passagem ganha um intenso e forte peso dramático pois ocorre quando somos acossados pela peste que se avoluma enquanto vozes de degradados alardeiam que está tudo bem, e o capitão reformado diz que o Ômicron é bem-vindo. Sai Elza, chega a incerteza, cresce a onda de medo e dor.

Ela morre num mesmo 20 de janeiro, também data em que Garrincha tirava as chuteiras para nunca mais voltar. O Brasil, porém, continua em campo e no palco, na avenida das escolas de samba e nas ruas, onde os caminhantes já sabem: é preciso esperançar sem parar para esperar. Há perigo na esquina, nos bares, nas festas, nos becos. Cuidado.

Perdemos Elza Soares: o Brasil está escorrendo pelo ralo e estamos descendo a ladeira. Novamente Nelson Cavaquinho nos chama: “O sol há de brilhar mais uma vez / A luz há de chegar aos corações / Do mal será queimada a semente / O amor será eterno novamente.”

Elza se foi; mas não completamente. Agora ela está lá em cima e pisa nos astros distraída. Seu chão é feito de estrelas.

 

 

 

    

 

 

 

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