A Copa e o pandeiro do demônio
Por Emanoel Barreto
Os governos romanos, por volta de 100 d.C., instituíram a política do pão e circo. O objetivo era entreter o povo, faminto e desesperado, com a realização de jogos que se constituíam em combates mortais entre gladiadores, corridas de bigas e distribuição de pão e vinho; enganava-se a fome e se distraía a plebe do seu trágico destino. O circo eram as grandes arenas onde se realizavam os jogos – os estádios de hoje, coincidentemente, são chamados de... arenas.
O mesmo estratagema é feito por Bolsonaro: oportunista, incapaz de ser presidente de fato, limita-se a criar situações de confronto com adversários e viu na realização da Copa América o seu panis et circenses. E a Copa, como sua versão clássica na Roma antiga, também tem seu perigo de letalidade.
E o troço veio bem na hora: com a imagem em baixa, tal o descalabro da pandemia que se transformou em pandemônio e angústia para milhões de brasileiros, Bolsonaro agarrou-se à Copa como um alucinado supõe estar vendo algo ou alguém, um santo ou Deus a lhe indicar o caminho da vitória e da grandeza.
Seu raciocínio, básico e tosco, entende que trazendo a malsinada disputa aos nossos estádios a naturalizada paixão do brasileiro por futebol lhe dará resultados favoráveis em termos de imagem e adesão político-eleitoral, mesmo sem público presente aos jogos.
A reação, todavia, tem sido péssima. Nas redes sociais e TVs a gritaria contra os jogos tem sido a nota dominante. No Rio Grande do Norte a governadora Fátima Bezerra já disse que não quer; em Pernambuco também. Lamentável a atitude do tucano Doria em São Paulo, que disse ser receptivo à tragédia. Claro, também é um aproveitador.
Precisamos de vacinação rápida e crescente: não é hora de futebol para enganar algum tolo. As seleções virão de outros países, e com elas o potencial risco de chegada ao Brasil de mais gente infectada.
Creio que nunca esse país viveu tantos riscos, loucuras e desacertos: temos uma pandemia que virou um pandemônio e um sujeito que toca o pandeiro do demônio.
Estamos em vias de trazer a terceira onda da covid, estamos num maremoto de mortes. A sociedade não pode esperar calada a desgraça desembarcar em seus aeroportos. A cidadania deve ingressar na Justiça a fim de impedir esse samba de loucos, essa festa insana e funesta.
Havendo essa indecência estaremos cobrando pênalti contra a cidadania, a dignidade da vida, a honradez e a História.
E a covid vai fazer o gol.
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