Cuidado. Úculos, búculos e trúculos vão dominar o Rio Grande do
Norte
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Há dias esteve em minha tipografia um homem que, pretextando estar
a serviço de “altos assuntos”, anunciou-se como sendo “um búculo”. Como não
tenho a mais mínima compreensão do que seja tal e tão louca pessoa, situação,
cargo ou patranha, calei-me e esperei que ele mo explicasse o que seria isso,
ou seja: quem seria ele, qual o seu propósito, intenção e meta. Pródigo em
palavras foi logo dizendo:
– Existem, meu caro tipógrafo, na sociedade brasileira os mais
variados tipos de homens em termos de depravação política.
– Sei disso.
– Sendo assim – prosseguiu – da mesma forma como há corruptos
lamentáveis, safados de todas as espécies, ladrões engalanados, honrados salafrários
e magníficos farsantes, surgimos nós, os que somos búculos.
A isso seguiu-se a explicação: – Cientista cujo nome prefiro não
declinar nos está criando em laboratório mediante rigoroso processo de
reprogramação mental. E dividiu-nos em três classes ascensionais: úculos,
búculos e trúculos. Primeiro o indivíduo é preparado para ser úculo. Depois,
após elevados estudos, chega à condição de búculo. Afinal, o eleito para tal e
excelsa obra passa à situação de trúculo, grau máximo. Todavia, já na condição
inicial pode o úculo começar a trabalhar. Detalhe: somos recrutados das classes
mais sofridas, vimos dos trabalhos pesados, dos salários indignos. Sendo assim,
ao nos tornarmos sequencialmente úculos, búculos e trúculos deixamos a classe
trabalhadora e passamos a instância superior, privilegiada, cheia de mimos e
pertences. Destarte, gostamos de tal felicidade e da desigualdade que a gerou.
Indaguei: – E porque o senhor está me contando tudo isso? Para mim
tudo continua sem sentido. Qual a “excelsa obra” a que se dedicam? O que são
úculos, búculos e trúculos?
A resposta deixou-me ainda mais atônito: – Não sei. Sei apenas que
ficamos privilegiados.
– O senhor não sabe? O senhor é um búculo e não sabe o que é ser
búculo?
– Não sei, e isso é o mais importante. O que importa realmente é o
agir sem saber para quê, entende? Agir segundo o que se nos foi dito em laboratório
e pronto.
– E o que lhes está sendo dito?
– Simples – foi a resposta: – Devemos ingressar na vida pública,
ganhar mandatos e dar vazão a todos os instintos humanos de lucro, desvio de
dinheiros públicos; vamos alimentar-nos de propinas sórdidas, viver de
concussões secretas e prevaricações desleais: tudo o que não tínhamos com nosso
miserável soldo de trabalhadores. Vamos agir segundo o sistema sem compreender
sua essência de sistema, vamos viver apenas aderindo e gozando. Reproduzir o
que já existe e viver segundo suas regras.
– Mas, senhor – enfatizei – isso já há muito tempo. No Brasil e no Rio
Grande do Norte essa raça, literalmente, abunda. Os senhores estão sendo
preparados apenas para uma coisa: um elevado grau de corrupção. Os senhores são,
no máximo, uma nova categoria semântica da expressão ladroagem pública, só
isso.
– Ohhhhhhhhh!!!! – ele manifestou-se decepcionado. – Quer dizer que
sou apenas um corrupto? Um reles corrupto? Não tornei-me um ser superior, uma
elite? Deixei de ser trabalhador para ser um tipo de bandido?
– Sim, meu caro. Objetivamente, o senhor é um ladrão.
– Não – ele contestou – não sou um ladrão pois ainda não tenho um
mandato, como me foi determinado nas experiências laboratoriais. Mas, espere-me
e o senhor verá a minha competência. Sua ignorância me enoja.
A seguir, retirou-se.
Hoje, para minha surpresa, abri o jornal e vi a manchete:
“Honorável trúculo é candidato a governador do Estado”
Imediatamente compreendi: o sujeito, em menos de 24 horas, havia
completado seu processo ascensional e passara à condição máxima de corrupto
mediante científica e exata programação. E então, neste exato momento, ao redigir
este coranto percebi, para desespero meu: estamos perdidos: os corruptos serão
produzidos em série. E pior: seguindo os princípios da alta ciência, agirão com
ainda maior desenvoltura, perspicácia, pragmática e acurácia.
Comecei a tremer. Fiz então o seguinte: estou encaixotando meus
amados tipos, minhas caixas altas e baixas e preparo-me para fugir. Para onde,
não sei. Mas farei o seguinte: vou dirigir-me ao porto e esperar o próximo
vapor. Embarcarei naquele que for para a mais distante ilha, uma ilha ainda não
inscrita em qualquer mapa; aquela será o meu lugar.
De lá mandarei a este infeliz Estado meus textos e minha palavra
escrita. Na esperança de que tais ditos tenham aqui alguma eficácia de
contestação e repúdio aos costumes locais.
Ao mesmo tempo desejarei que, em tal lugar, na ilha distante para
onde irei, os autóctones – bárbaros e bondosos – não cheguem ao estágio de civilização
e venham, um dia, a se tornar úculos, búculos e trúculos. É isso.
Quanto a você que fica, leitor, desejo boa sorte. Reze. E assim que
puder embarque e fuja também.
Um forte abraço,
Emanoel Barreto
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