Caro
leitor,
Querida
leitora,
Estou
tentando escrever alguma coisa que mereça ser minimamente digna de ser lida,
mas estou sem ideias. Sinceramente, não sei se é mesmo falta de ideias ou algo
inesperadamente pior, fantasticamente pior. Explico: estou vivendo grave
problema: minhas mãos – já pensou? – me comunicaram que, nesses quarenta anos
de jornalismo, já trabalharam demais para mim. Dizem e reafirmam que sou “péssimo
patrão”, jamais as remunerei ou agradeci, nunca as elogiei, jamais as tratei
como parte de mim, nunca as acolhi como pessoa igual a mim. Nunca lhes tive
carinho ou emoção. E até advertiram:
– Barreto,
a continuar assim, faremos greve. Greve de fome.
– Como
assim? Vocês farão greve de fome? – fiquei perplexo.
Mais que
isso: tornei-me nervoso, hesitante,
incerto, indeciso, indefinido, inseguro, irresoluto, titubeante, vacilante. Temi estar
ficando louco. Esperei um pouco e as mãos me responderam, para meu completo
espanto:
– Sim –
e dedilhavam o teclado por iniciativa própria – faremos greve de fome; fome
de palavras – e explicaram: – Como sabemos que você é faminto, faminto de
palavras, não escreveremos mais nada, entende? Objetivamente: a fome será sua, não nossa. Esta a nossa sutil e
vigorosa vingança.
E arremataram:
– Veja só, Barreto: temos conosco todas as palavras do mundo; elas estão embutidas,
imbricadas, enclausuradas em nossos dedos; somos donas dos termos, dos ditos,
dos sentimentos impressos. Somos senhoras de tudo o que as palavras representam
e sentem. Não teremos de você compaixão alguma. Sabemos que você depende da
escrita para viver e, mais que isso, para so-bre-vi-ver.
Por implicação: como você precisa de palavras, mas está sujeito e refém de nós
para tê-las – e não as terá –, ficará por nós preso, detido, encarcerado e sem
rumo. Sentiu o peso, brother?
Devo dizer
que “senti o peso”. Tremi. Vi que estou numa situação muito difícil.
Sem
rodeios, e para que você entenda minha situação, informo: até o momento não consegui
escrever nada, pelo fato simples de que minhas mãos estão em greve.
“Greve
de advertência”, disseram, para em seguida ameaçar: – Ou você começa a nos tratar
como uma pessoa igual a você ou vamos parar definitivamente. Isto feito,
arroste; enfrente as consequências: vai ficar para sempre mudo, vazio de
palavras escritas... Aguenta essa barra, velho? Suporta ficar sem escrever?
Fiquei sem
palavras – e aqui não há trocadilho...
Veio então a última ameaça, na verdade uma
sentença de culpa, um mandado de prisão: – E, se você não mudar por completo, faremos conluio com sua boca e ela também se calará. Saiba: sua boca também tem muitas reclamações,
viu? Ela já disse que topa entrar na greve. Se isso acontecer, você estará
definitivamente mudo, calado de textos e de voz; já pensou? você ficará silente em
todos os sentidos. Textos vocais e escritos perdidos para sempre. Terá sentimentos
mas não meios de os expressar. Olhares, mas não instrumentos para os viver;
sonhos, reais e irreais, que não poderão chegar à vista do mundo. Prepare-se,
maldito: seu fim vai ser triste.
..................
As mãos
disseram isto e se foram em meio a escuridão intensa. Fiquei pasmo, calado e
sem inspiração. Sinto-me perdido e louco. Vou tomar um Bourbon. Se der, vou
para Nova Orleans. Lá tem blues e o som pesado de que gosto. Mas, aí, me
ocorreu uma coisa horrível: e se meus ouvidos também entrarem em greve? Não quero
nem pensar....
................
Epílogo
Caro
leitor, amiga leitora,
Estou desesperado.
Peço, se possível, que alguém me ajude. Alguém me indique um caminho, uma porta,
uma vereda, uma senda para escapar à tal armadilha das minhas mãos. Estou tentando
escrever, mas nada sai; as mãos não obedecem. Estou silencioso de texto, calado
de mim. Esta a minha terrível realidade: minhas mãos estão em greve.
Redijo,
mas a elocução textual, a expressão impressa, a frase em letras, a locução desesperada na
lauda luminosa do computador, a oração
escrita, a sentença
forte, o termo mágico, o verbo eloquente, o vocábulo alado estão
distantes; mui remotos de mim. Nada sai, por mais que eu tente. As letras aparecem
na tela do computador, mas logo se esfumaçam em espetáculo até bonito de se
ver.
Perceba
o meu drama e meu desespero: uma a uma as frases desaparecem na névoa que se forma
na virtualidade do monitor; uma a uma se trans-formam em bruma, em suave
vertigem. É a greve das mãos.
Ajude-me,
leitor ou leitora. Desculpe-me por, de alguma forma, os ter enganado. Estou tentando
sinceramente escrever, mas nada consegui. Mas, o que mais me enerva, envergonha e
acabrunha, é que você ficou até aqui, teve a paciência de me acompanhar mas acabou
desperdiçando o seu tempo com um texto inexistente escrito em palavras
invisíveis.
E tudo porque
minhas mãos estão em greve.
Desculpe, eu não sabia que elas iam fazer isso
comigo.
De qualquer
forma, muito obrigado.
E perdão
por fazer você ler um texto que nunca existiu.
a) Emanoel Barreto
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