O
urro da ruas, a tragédia anunciada da Copa do Mundo
As elites brasileiras parecem
não entender o recado das ruas, o grito rouco das massas, as ameaças contidas
nos quebra-quebras, o sudário social que vela a cara dos black blocs, a essência
mortal, sombria, que habita todo aquela liturgia de confronto. O recado é
simples: “Não aguentamos mais. A mentira não poderá ser repetida para sempre
sem que nós, os enganados, passemos a mostrar que ela é somente isso: uma
mentira.”
As elites não entendem, tanto
que chamam os protestos de baderna. Não é baderna. Baderna é a reunião de um
grupo para, por exemplo, em meio a uma bebedeira, sair pelas ruas promovendo destruição
imotivadamente. No Brasil, ao contrário, os movimentos violentos têm um cerne ideológico,
mesmo que em meio aos manifestantes encontremos desordeiros e até bandidos aproveitadores.
A violência em si, entendo, é
recurso perigoso. É irmã da catástrofe, está geminada à negação do processo
civilizatório e funciona como chamariz de tragédias como a que vitimou o cinegrafista
da Band. Acho tudo isso, mas também entendo que os duros atos de protesto chegaram
a esse ponto porque a violência institucional como que adestrou os
marginalizados a assim reagir.
Foram as injustiças históricas,
aquelas praticadas no microcosmo da cotidianidade, que cimentaram isso. Foram as
dores, o desespero das filas chorosas nos hospitais, quem induziu a isso. Foram
os ônibus lotados, o povo acossado por assaltantes e traficantes, a corrupção
dos três Poderes, o salário que não dá para nada e a morte de pessoas queridas
em hospitais que não funcionam o fator potente de todo o processo.
Foram coisas como a Copa do
Mundo, que numa espécie de coroação cínica da perversidade histórica das elites,
transformaram os estádios em entidades icônicas dessa babilônia depravada que é
a política brasileira e seus beneficiários.
A farra dos governos, dos parlamentos, dos altíssimos cargos
públicos, são como a celebração de uma crueldade irresponsável e até agora impunível, mas que, pelos insondáveis caminhos da história agora convida à sagração dessa primavera
de dor e berro, estupidez e gol.
Temo que a Copa seja palco de
uma grande conflagração. Os ânimos das praças estão aquecidos. Diante do furor das multidões espero que o governo e todos os seus sequazes, de todos os partidos, tenham
visto – mesmo que não admitam: a Copa, em vez de evento, foi transformada num estopim.
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