sábado, 15 de março de 2014

O povo não quer Copa, quer dignidade



O urro da ruas, a tragédia anunciada da Copa do Mundo

As elites brasileiras parecem não entender o recado das ruas, o grito rouco das massas, as ameaças contidas nos quebra-quebras, o sudário social que vela a cara dos black blocs, a essência mortal, sombria, que habita todo aquela liturgia de confronto. O recado é simples: “Não aguentamos mais. A mentira não poderá ser repetida para sempre sem que nós, os enganados, passemos a mostrar que ela é somente isso: uma mentira.”
 
Foto: Felipe Canova Gonçalves

As elites não entendem, tanto que chamam os protestos de baderna. Não é baderna. Baderna é a reunião de um grupo para, por exemplo, em meio a uma bebedeira, sair pelas ruas promovendo destruição imotivadamente. No Brasil, ao contrário, os movimentos violentos têm um cerne ideológico, mesmo que em meio aos manifestantes encontremos desordeiros e até bandidos aproveitadores. 


A violência em si, entendo, é recurso perigoso. É irmã da catástrofe, está geminada à negação do processo civilizatório e funciona como chamariz de tragédias como a que vitimou o cinegrafista da Band. Acho tudo isso, mas também entendo que os duros atos de protesto chegaram a esse ponto porque a violência institucional como que adestrou os marginalizados a assim reagir.  


Foram as injustiças históricas, aquelas praticadas no microcosmo da cotidianidade, que cimentaram isso. Foram as dores, o desespero das filas chorosas nos hospitais, quem induziu a isso. Foram os ônibus lotados, o povo acossado por assaltantes e traficantes, a corrupção dos três Poderes, o salário que não dá para nada e a morte de pessoas queridas em hospitais que não funcionam o fator potente de todo o processo.

Foram coisas como a Copa do Mundo, que numa espécie de coroação cínica da perversidade histórica das elites, transformaram os estádios em entidades icônicas dessa babilônia depravada que é a política brasileira e seus beneficiários. 

A farra dos governos, dos parlamentos, dos altíssimos cargos públicos, são como a celebração de uma crueldade irresponsável e até agora impunível, mas que, pelos insondáveis caminhos da história agora convida à sagração dessa primavera de dor e berro, estupidez e gol. 


Temo que a Copa seja palco de uma grande conflagração. Os ânimos das praças estão aquecidos. Diante do furor das multidões espero que o governo e todos os seus sequazes, de todos os partidos, tenham visto – mesmo que não admitam: a Copa, em vez de evento, foi transformada num estopim.




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