
Emanoel Barreto
Lembranças - Sertão
central do Rio Grande do Norte. 1961. Encantado com a paisagem eriçada e
rude, eu seguia montado no passo tardo de um cavalo manso, escolhido
com cuidado pelo velho Patrocínio, tio da Minha Mãe. Ele não queria que o
sobrinho praciano sofresse os percalços de montar um cavalo de
vaqueiro. Chamou-me e disse: "Pode montar sem medo. Esse é Soberano. Vai
para onde você mandar."
E
lá fui eu, percorrendo os caminhinhos, sendas abertas a facão no meio
da caatinga. Coisa de quatro da tarde. O vento era só pra dizer que
tinha. O vento do sertão anda abraçado com o calor, para quem não sabe.
Eu me sentia um verdadeiro caubói. Durango Kid. E imaginava, em meio aos
galhos secos, espinhos e cro'as de frade, cardeiros e macambiras,
existirem bandidos à espreita, prontos para ser acertados pelos meus
tiros de infância.
Soberano
andou, andou e, lá adiante, vi uma figura que vinha em minha direção.
Era um velho. Negro, alto, o cabelo branquinho, a barba também. Lembrava
a visão clássica do Pai Tomás. Puxei as rédeas de Soberano, quando o
homem fez sinal como a mão. Queria que eu parasse. Aproximou-se e
perguntou: "O minino é arguma coisa de Seu Patrocínio?" Respondi que
sim. Ele disse: "Vim aqui pra falá cum ele, um negoço de umas vaca qui
quero vendê."
Eu apontei, lá na poeira da distância, o rumo da casa-grande. E ele: "Então, vô pra lá."
E
eu: "Vamo, que eu vou com o senhor." E saímos. Soberano mais parecia
uma muralha, perto do cavalinho dele. No caminho, contou-me coisas de
suas viagens, do tempo em que vivia longe daquelas terras.
Contou,
como quem conta uma epopéia, um épico, uma canção de gesta. Os olhos da
minha emoção estavam arregalados, pasmos com a vida daquele sertanejo.
Por um momento, quase vi a meu lado Amadis de Gaula ou o próprio
Aquiles, quem sabe Orlando Furioso. Aquele homem era feito de todas as
lendas que povoavam meu imaginário infantil.
E
ao final, já chegando à casa de Tio Patrocínio, ele revelou: "Minino,
um dia ainda vô m'embora. Vou viajá, andá pelo mundo de novo. E aí,
quando eu vortá, acho qui as pessoa vai perguntá: 'Quem é esse rapaz?
Será um africano?'"
Aquela
conversa, aquela figura, hoje fazem parte de lembranças que ficam
guardadas em meio a memórias antigas, escondidas todas em alguma caverna
de Polifemo, território traçado no mapa mais meu.
E
hoje, às vezes me pergunto: "E se um dia eu viajar? Também quero
viajar. Vou viajar. E espero que quando eu voltar as pessoas perguntem:
quem será aquele rapaz? Será um africano?
*O homem da foto é incrivelmente parecido com o personagem desta crônica.
ZOORÓSCOPO
HIENA - Boas
previsões para você, hiniana ou hieniano, pelo menos na fortuna.
Ganhará rios de dinheiro, não será punido e poderá, sempre, se
apresentar como pessoa respeitável. No amor, entretanto, as coisas não
irão tão bem. Pelo seu caráter truculento e egoísta, somente poderá
fazer par com os de Barata ou Tubarão. Mas, aí, ambos sairão perdendo,
pois um tentará engolir o outro. No mais, vá em frente, que a estrada é
larga e o caminho é bom.
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