domingo, 19 de janeiro de 2014

O debate sobre as drogas



Neusa, onde 
está você, Neusa?

Vi recentemente vídeo em que uma jovem completamente drogada, experienciando uma espécie de alucinação ou algo que o valha, diz não saber aonde está e procura desesperadamente por uma mulher chamada Neusa. Tem movimentos descontrolados e recebe ajuda de um rapaz para recompor a saia. Esse, aliás, é o único gesto de solidariedade que recebe: no mais, o que se ouve são vozes de rapazes e moças que, sem manifestar qualquer atitude de amparo ou compaixão, ficam, como se diz hoje, zoando a moça.

Ouve-se claramente a voz de uma jovem que pergunta “quem é você guria, quem é você?”, mas não notei, digamos assim, da parte dela, comunhão com o ser humano ali fragilizado. Não ouvi ninguém dizer, por exemplo, “vamos pegar essa menina e levar a um hospital.” Em síntese: se não recebeu violência física, pelo menos até aonde o vídeo mostra, ficou como que sendo jogada de um lado para o outro.

Essa a situação de um drogado. Essa a situação de quem perde o controle sobre si próprio e fica nas mãos de desconhecidos. Fui repórter policial por cerca de onze meses e vi nas delegacias homens presos por uso de drogas. Pessoas largadas ao chão, tremendo, encolhidas. Isso foi em 1975, época em que não havia qualquer movimento pedindo a liberação de drogas. 

Creio que isso não seria uma boa medida. Os discursos de hoje, chamados de anti-proibicionistas, são, tenho certeza, bem intencionados. São pronúncias de intelectuais, pessoas com capacidade crítica. São assertivas bem assentadas teoricamente e têm, não resta dúvida, a intenção de atitude humanista e libertária. 

Mas, quem já tem ou teve um parente ou amigo dominado pelas drogas sabe bem que a realidade é muito diversa do discurso. Na vida de cada casa, na intimidade dos relacionamentos, é possível perceber a devastadora ação das drogas quando levadas às últimas consequências: desde o álcool à cocaína, da maconha ao crack e por aí vai. Nessa convivência afundam o viciado e toda a família. 

Ao longo de meus 39 anos de jornalismo acompanhei vários casos. Pelo menos dois morreram em situação miserável ou quase isso. Tenho plena consciência de que há alguma tendência social favorável à liberação das drogas, ou seja, há um consenso parcial em processo o que indicia claramente uma crise no modelo da proibição.

Sei que o assunto, de forma inescusável, já está em debate no fórum da cotidianidade, no ritmo das ruas, nas festas, no hedonismo que, no fundo, é um direito. A questão também é o fato de que a droga está entranhada ao crime organizado e, parece-me, o simples fato de liberar sua venda não irá inibir a ação dos traficantes. 

Acato o direito às decisões individuais. Espero que a humanidade saiba lidar com os desafios que ela própria criou. Mas tenho medo, tenho muito medo, de ver outros jovens à procura de Neusa. Esse o grande problema: aonde está Neusa.





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