Neusa, onde
está você, Neusa?
Vi recentemente vídeo em que
uma jovem completamente drogada, experienciando uma espécie de alucinação ou algo que o valha, diz
não saber aonde está e procura desesperadamente por uma mulher chamada Neusa. Tem
movimentos descontrolados e recebe ajuda de um rapaz para recompor a saia. Esse,
aliás, é o único gesto de solidariedade que recebe: no mais, o que se ouve são
vozes de rapazes e moças que, sem manifestar qualquer atitude de amparo ou
compaixão, ficam, como se diz hoje, zoando a moça.
Ouve-se claramente a voz de uma
jovem que pergunta “quem é você guria, quem é você?”, mas não notei, digamos
assim, da parte dela, comunhão com o ser humano ali fragilizado. Não ouvi
ninguém dizer, por exemplo, “vamos pegar essa menina e levar a um hospital.” Em
síntese: se não recebeu violência física, pelo menos até aonde o vídeo mostra, ficou
como que sendo jogada de um lado para o outro.
Essa a situação de um drogado.
Essa a situação de quem perde o controle sobre si próprio e fica nas mãos de
desconhecidos. Fui repórter policial por cerca de onze
meses e vi nas delegacias homens presos por uso de drogas. Pessoas largadas ao
chão, tremendo, encolhidas. Isso foi em 1975, época em que não havia qualquer
movimento pedindo a liberação de drogas.
Creio que isso não seria uma
boa medida. Os discursos de hoje, chamados de anti-proibicionistas, são, tenho
certeza, bem intencionados. São pronúncias de intelectuais, pessoas com
capacidade crítica. São assertivas bem assentadas teoricamente e têm, não resta
dúvida, a intenção de atitude humanista e libertária.
Mas, quem já tem ou teve um parente
ou amigo dominado pelas drogas sabe bem que a realidade é muito diversa do
discurso. Na vida de cada casa, na intimidade dos relacionamentos, é possível
perceber a devastadora ação das drogas quando levadas às últimas consequências:
desde o álcool à cocaína, da maconha ao crack e por aí vai. Nessa convivência afundam
o viciado e toda a família.
Ao longo de meus 39 anos de
jornalismo acompanhei vários casos. Pelo menos dois morreram em situação
miserável ou quase isso. Tenho plena consciência de que há alguma tendência
social favorável à liberação das drogas, ou seja, há um consenso parcial em
processo o que indicia claramente uma crise no modelo da proibição.
Sei que o assunto, de forma inescusável,
já está em debate no fórum da cotidianidade, no ritmo das ruas, nas festas, no
hedonismo que, no fundo, é um direito. A questão também é o fato de que a droga
está entranhada ao crime organizado e, parece-me, o simples fato de liberar sua
venda não irá inibir a ação dos traficantes.
Acato o direito às decisões individuais.
Espero que a humanidade saiba lidar com os desafios que ela própria criou. Mas
tenho medo, tenho muito medo, de ver outros jovens à procura de Neusa. Esse o
grande problema: aonde está Neusa.
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