sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Ao trabalhar em minha tipografia sou procurado por elegantes animais. Leia a seguir

De como o 11 de setembro estava previsto desde 1799

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Estava eu ocupado, e mui, em trabalhos tipográficos --que tipógrafo o sou -- quando se me apresentam à casa onde moro dois elegantes cidadãos: um elegante e bem postado orangotango; fidalgo, logo o vi, e um sisudo grou, tambem ele homem de grandes ascendências e preclaros ancestrais. 

Trabalhava eu na preparação de éditos me encomendados por monarca de ilha distante e ignota, senhor de selvas e ondas de mar turquesa. Como sabeis, sou tipógrafo. Arte que aprendi com o Mestre de Mogúncia, idos de 1450.

Queria tal graúdo personagem comunicar a seus súditos que ninguém deveria ler os tais éditos, uma vez que tratavam das terríveis coisas do mundo como guerras, pestilências, corrupção dos costumes e outras debacles, a fim de que aquele honesto e ingênuo povo não se abalançasse a buscar tais e tremendos sucessos. Naquela ilha imperavam a mansidão e a concórdia e assim, queria o monarca, tudo deveria permanecer. 

Devo dizer que neste momento encontro-me em pleno ano de 1799, quase adentrando, como se nota, o Século XIX. Devo dizer que espero mui desse século, cujos albores, parece, encaminharão a humanidade a patamar mais elevado. Mas, voltemos aos dois senhores. Parei o trabalho e fui atendê-los.

Após as apresentações de praxe disseram a que tinham vindo: queriam que eu preparasse jornal - um jornal mágico logo descobri - onde se publicariam todos os infortúnios do mundo. Tudo o que fosse se tornar fato e realidade. Se isso fosse feito, asseguraram-me, e o jornal destruído em fogo de fogueira feita com madeira do monte Olimpo todos os males seriam retirados da Terra, e o século vindouro e todos os demais seriam plenos de idades fabulosas, eras magníficas e grandes ocorrências, chegando a humanidade a seu destino e fado: de bem viver feliz, até até. O jornal purgaria por antecipação os males que viriam a se pôr.

Disse-lhes que era apenas um gráfico, um dono de tipografia, não tendo acesso aos dons de Merlin. Não, rebateram, eu não precisaria prever a vida do mundo. Apenas anotar e fazer publicar em jornal tudo o que me dissesse bela e dramática pitonisa a quem fizeram chamar - e  logo adentrou à minha casa, envolta em volutas espessas, enignática dama. Fiz-lhe profunda reverência, a mulher entrou em transe a logo passou a prever o que iria o mundo viver e sofrer a partir do Século vindouro e daí em diante. 

Ao iniciar-se meu trabalho os grandes senhores retiraram-se, não sem antes me advertir: ninguém, ninguém poderia ler o jornal, que seria levado à fogueira olimpiana isento de olhar de homem. Assenti com a cabeça e eles saíram. A tudo o que a mulher dizia, minha mão, trêmula, anotava. Eram horrores demais, temores demais, cataclismas intensos, tragédias incontáveis, explosões e armas inacreditáveis. Datas e líderes explodiam às palavras da vidente. 

Percebi que minha missão era também algo terrível: tinha ali, literalmente, os destinos do mundo, da vida, de tudo. Caso aquela missão tivesse bons frutos um simples tipógrafo gutemberguiano mudaria a repetiviva estrada da história: guerras e horrores liderados por loucos crentes em sua própria loucura, aqui e no ignoto Oriente.

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A mulher não parava de prognosticar, vaticinar, profetizar e adivinhar, até que o mundo chegou a final de Apocalipse, com o acionamento de arma tão tremenda que é difícil crer que algo assim possa ser criado pela mente humana e usada por mão carrasca. Após terminar, três dias depois os seu trabalhos, exausta e branca, a pitonisa foi levada por um cortejo de aias que a amparavam, desaparecendo e meio a brumas.


Mal parei: refiz-me também da minha luta e corri à oficina, onde tipos preciosos, manejados por Gutemberg em pessoa me esperavam para o próximo passo. Trabalhei sozinho durante dias. Dispensara todos os auxiliares: o jornal não podia ser lido. Ao fim e ao cabo de toda a travessia mandei que mordomo fosse convidar os dois senhores - o jornal estava pronto.


Impresso em papel de grande qualidade, ilustrado com imagens desenhadas à perfeição e textos de grande poder narrativo e descritivo, aquela obra era algo preciosíssimo. Lacrei-a em enorme envelope, entregando-a absolutamente fechada ao grou e ao orangotango. Não nos falamos. Ato contínuo, dirigiram-se eles a um outeiro onde já estava pronta a fogueira do Olimpo. Vetustos e sérios seguiram em sua carruagem. Nunca mais os vi.


Passou-se o tempo e, de lá para acá, vi, li e escrevi a respeito de grandes males e enormes ocorrências e dores profundas. Duas Grandes Guerras, revoluções e destroços. Duas bombas atômicas. Tudo isso fora previsto pela pitonisa. Minha compreensão terminou por ensinar-me algo que recusava a acreditar: algo havia dado errado com os respeitáveis grou e orangotango. Algum miserável acontecimento os havia colhido, impedindo que o mundo seja hoje um local digno e aprazível.


A minha suspeita de que algo ocorrera àqueles dois senhores foi confirmada: os honoráveis homens voltaram à minha casa e, como naquele dia distante, estava eu na oficina. 
Foram trazidos à minha presença e contaram, olhos injetados de angústia: o jornal fora lido! Lido minutos antes de ser levado à fogueira. 

Como assim?, quis saber. Muito simples: para ser queimado o jornal teve que ser retirado do envelope. Nesse instante o lacaio que o levava às mãos dos seus mestres pousou os olhos na manchete, caindo fulminado por um colapso, tão horrenda era a notícia. Outros acorreram a ele e entraram em pânico. Enlouquecidos, puseram-se a correr gritando ao mundo o que aconteceria. Formou-se multidão e o jornal foi lido a todos, que se puseram a gritar. Em meio a isso acusaram o grou e o orangotango de feitiçaria e atos cabalísticos. Eles conseguiram fugir e ao longe viram acesa a fogueira e queimado o jornal, mas era tarde: o mundo continuaria a trilhar sua senda enternamente - até que venha o último artefato.


PS: os dignos senhores ainda estão em minha casa. De repente pediram que eu ligue a televisão. Hoje é 11 de setembro.

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