A visita do papa Francisco
lembrou-me a vinda a Natal do papa João Paulo II, em 1991. Naquela época eu
estava no Diário de Natal, dirigindo a editoria de Cidades, e recebi a
incumbência de passar a noite em vigília nas imediações da casa onde ele iria
pernoitar, em Ponta Negra. Motivo para
tanto: em reunião com o superintendente Albimar Furtado, o editor-geral Vicente
Serejo e a chefe de redação Margareth Martins temíamos que o papa, em local tão
desprotegido, pudesse ser vítima de algum atentado. Ele já tinha sido atacado em Roma, imagine em Natal... Diante disso tomou-se a
precaução: um jornalista ficaria atento a tudo o que pudesse acontecer.
Na companhia do
repórter-fotográfico Marcus Ottoni segui para o local de minha vigilância: uma residência
desocupada, taticamente ocupando ponto privilegiado de observação. Detalhe: eu
não tinha autorização do esquema de segurança para fazer a cobertura. As credenciais
eram poucas e tinham sido destinadas aos repórteres e, como eu era editor, por consequência
não tinha credencial. Marcus Ottoni, sim.
E às seis da noite meti-me num
carro do jornal e começamos o trajeto até Ponta Negra, saindo do Diário, que
ficava na Deodoro. Incrível como foi fácil passar pelas patrulhas que estavam
na área. Ninguém nos parou, nada de pedido de explicações, não se exigiram
identificação ou autorização para a cobertura.
Chegamos ao local cerca de
vinte minutos depois e fomos direto para a casa. Tinha início ali uma das mais
longas noites da minha vida: a espera por algo que, de coração, não desejávamos
que acontecesse, ou seja: dois jornalistas, paradoxo, pedindo para que não houvesse
o que noticiar.
Ottoni encontrou uma cadeira
velha e desconjuntada na varanda da casa. Você já deve ter percebido que passaríamos
a noite ao relento. A casa nos havia sido cedida, mas de portas fechadas,
percebe? Assim, preparamo-nos para o que desse e viesse. No meu caso, até mesmo
uma eventual prisão por estar, sem autorização, uma área de segurança. Eu era,
literalmente, um invasor.
Marcus Ottoni fixou
obsessivamente a objetiva na casa e ficamos ali, parados, tendo ao fundo o som
do mar e o céu profundo. As horas se passavam com a lentidão de um tempo manco.
Como não tinha nada a registrar comecei a anotar pequenos acontecimentos,
registrando a hora em que se davam.
Assim, olhe: às dez horas um
casal passou de mãos dadas na praia; meia hora depois um barco pesqueiro,
pequeno, chegou à praia; uma hora depois
ouvimos passos de coturnos pisando firme no pavimento de pedra e
comentamos: “OK. Agora vamos ser presos.” Ou melhor: eu seria preso. Mas foi
alarme falso a tropa passou e não foi até aquela casa que, tecnicamente, era “suspeita”.
Como nada mais acontecia além
desses acontecimentos mínimos tentei dormir, deitado no chão. Terrível experiência;
sem travesseiro não dá. Nem tente, se algum dia for obrigado a tão dura vivência.
Ao fundo, o barulho das ondas quebrando chegava a ser aterrador pelos ouvidos
cansados. A repetição interminável doía: entrava cabeça adentro e se
transformava em uma tortura. Afinal, já de manhãzinha, uma estrela cortou o céu
e anotei: seis e meia da manhã.
Pronto, pensei, terminou o
tormento. Nesse instante houve uma movimentação de tropas. Os soldados, lado a
lado, formavam uma rede humana de homens armados, correndo em direção à praia.
Pensamos: só pode ser coisa séria. E preparamo-nos: olhamos para o mar,
temerosos de ver a qualquer momento um barco ou algo que o valesse vindo
rapidamente em direção à praia para algum tipo de ataque ao papa.
Rebate falso: os soldados
apenas formavam um cordão de isolamento. E por um motivo simples: o papa havia se
acordado e iria sair até a varanda da casa onde estava. E então aconteceu: João
Paulo II chegou à varanda e começamos a gritar: “Pa-pa! Pa-pa! Pa-pa!”
Nesse momento a varanda da casa
onde estávamos havia sido invadida por um batalhão de repórteres do Rio e São
Paulo, para flagrar o acontecimento. Não sei como, mas eles haviam descoberto
nosso esconderijo. Lá chegando, ficaram espantados com aqueles dois loucos
tresnoitados e queriam saber: “Vocês estavam aqui? Passaram a noite... aqui?!!!”
“Sim”, foi a resposta.
“Vocês são loucos?”
“Também”, garantimos.
E os jornalistas passaram também a
gritar ao papa que, virando-se para nós, lá de onde estava, acenou com
os dois braços.
Estava terminada a missão.
Voamos para o jornal. Eu para redigir a matéria a quente, Ottoni para o ritual
da revelação dos filmes e produção das fotos. Terminei o texto lá para as oito
da manhã e fui para casa. Às seis da noite preparei-me para voltar ao jornal.
Agora para editar todo o meu trabalho.
Quando ia saindo, minha filha
mais nova, espantada com aquele trabalho maluco do pai, perguntou: “Meu Deus,
papai: de novo?”
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