Deus, Cascudo, Nossa
Senhora e o lobisomem
Acredito
em Deus, quero bem a Nossa Senhora, tenho medo de lobisomem. Aprendi esta norma
com Luís da Câmara Cascudo durante uma entrevista ao cair da tarde. Olhando da
casa do Mestre o Potengi, admirados os dois com a beleza do poente, começamos a
falar das coisas indizíveis ligadas aos mistérios, dos mitos, das lindezas que inebriam e que a mente humana fabula ou
crê, verdade ou não.
Nesse
momento, não sei porquê, cismei que Cascudo era ateu, mesmo ele me falando da
beleza onírica do sol se desmanchando. Eu poderia ter pensado nele como panteísta,
mas pensei ateu. E perguntei: – Professor, o senhor é ateu?
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Ele
sorriu e respondeu: – Não, meu filho, não. Acredito em Deus, quero bem a Nossa
Senhora, tenho medo de lobisomem – e ergueu a mão em belo gesto.
Na hora
a perspicácia do repórter pegou na palavra o professor: – Mestre, o senhor
acredita em lobisomem?
Cascudo
tinha para mim a autoridade do tempo, o poder da velhice avoenga, a solidez de
quem conhecia o passado e o passado do passado. Era estudioso do povo e de suas
coisas, mas não precisava acreditar nelas. Esse o sentido de pergunta.
A resposta
veio perfeita, linda, magnífica. Como somente Cascudo a poderia dar.
Disse: –
Não, meu filho, não. Não acredito em lobisomem nesta Natal iluminada, com as
ruas cheias de gente, carros por todo lado; barulho, coisas da urbanidade. Mas se
você me perguntar se acredito em lobisomem no sertão, perdido eu nas solidões
da noite do sertão, a cruviana assoviando nas orelhas do cavalo, eu sozinho em
noite de lua, noite de lua cheia, eu digo que sim, meu filho. Aí eu acredito em
lobisomem.
Tive vontade
de chorar. Corri para a Tribuna do Norte para escrever a matéria.
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