segunda-feira, 14 de janeiro de 2013



Deus, Cascudo, Nossa Senhora e o lobisomem
Acredito em Deus, quero bem a Nossa Senhora, tenho medo de lobisomem. Aprendi esta norma com Luís da Câmara Cascudo durante uma entrevista ao cair da tarde. Olhando da casa do Mestre o Potengi, admirados os dois com a beleza do poente, começamos a falar das coisas indizíveis ligadas aos mistérios, dos mitos, das lindezas  que inebriam e que a mente humana fabula ou crê, verdade ou não.

Nesse momento, não sei porquê, cismei que Cascudo era ateu, mesmo ele me falando da beleza onírica do sol se desmanchando. Eu poderia ter pensado nele como panteísta, mas pensei ateu. E perguntei: – Professor, o senhor é ateu?
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Ele sorriu e respondeu: – Não, meu filho, não. Acredito em Deus, quero bem a Nossa Senhora, tenho medo de lobisomem – e ergueu a mão em belo gesto.

Na hora a perspicácia do repórter pegou na palavra o professor: – Mestre, o senhor acredita em lobisomem?

Cascudo tinha para mim a autoridade do tempo, o poder da velhice avoenga, a solidez de quem conhecia o passado e o passado do passado. Era estudioso do povo e de suas coisas, mas não precisava acreditar nelas. Esse o sentido de pergunta.

A resposta veio perfeita, linda, magnífica. Como somente Cascudo a poderia dar.
Disse: – Não, meu filho, não. Não acredito em lobisomem nesta Natal iluminada, com as ruas cheias de gente, carros por todo lado; barulho, coisas da urbanidade. Mas se você me perguntar se acredito em lobisomem no sertão, perdido eu nas solidões da noite do sertão, a cruviana assoviando nas orelhas do cavalo, eu sozinho em noite de lua, noite de lua cheia, eu digo que sim, meu filho. Aí eu acredito em lobisomem. 

Tive vontade de chorar. Corri para a Tribuna do Norte para escrever a matéria.

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