domingo, 19 de junho de 2011

Dez anos de solidão

Lançando olhos nas folhas de domingo e nas folhas encontrando as coisas de jornal, eis que a força gravitacional da página diagramada encaminha e prende a vista numa nota de falecimento; nota de falecimento não: na verdade, o registro de recordação de uma filha pranteando o encantamento de seu pai. Algo chamou-me a atenção: diz ela, em detalhe de texto maior, que "durante dez anos foi impedida de ver o pai'".
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Um estudioso de semiótica diria que estava aí, no adjetivo "impedida", um índice, ou seja um indício, uma pista para algo mais complexo e tocante que a simples presença da palavra no texto. Explico: estar impedido é sutilmente diverso de estar impossibilitado. A impossibilidade pode ser decorrente da incapacidade de alguém de fazer algo seja por incapacidade de deslocamento, limitação de comunicação ou restrição de movimentos; as ilações seriam muitas. Já impedimnto pressupõe que alguém esteja sendo cerceado em seu direito de fazer algo. Eis aí o sentido trágico que precebi: uma filha obrigada a ficar ausente do pai.

Percebi então nesse índice todo um texto, um texto mínimo que sobrelevou-se como onda ao discurso onde estava inserido, um largo drama. Drama vivido de forma pungente e íntima pela filha separada do pai. Impedimento, assim, significou, claro fica para quem está acostumado a palmilhar textos interpretando o discurso adjacente, que ali se postava um fragmento de história de vida ou parte de todo um drama, palavra que o Houaiss define como "um acontecimento comovente".
E foi desta forma que a palavra inserida naquela texto, e confrontada com seu contexto, me apareceu: inscrevia-se naquele pequeno mapa o percurso de uma história em espiral de sofrimento. Cumprido ao longo dos dez anos que a filha ficou impedida de encontrar, ver, viver o pai - sim porque pessoas amadas são vividas por nossos sentimentos, são vividas em nós, chegam ao íntimo do eu profundo e nele se enraízam.

Suponho que havia ali um grande mistério, pelo menos uma grande dúvida em mim: por que impedida, por que não "distante" ou "saudosa"? Que grilhões prenderam aquela filha, cercando-a de distância e sofrimento? Mais que isso: quem foi ou foram os autores dessa história comovente? Então, foi isso que chamou a minha atenção neste domingo chuvoso. Mas, as coisas de jornal são assim mesmo: têm meandros, praias distantes, intenções subliminares, recursos sutis, surpresas para aqueles que sabem se surpreender.

Agora, se estiver errado, se a minha viagem estiver navegando na nau do equívoco, e nada do que suponho aconteceu - cerceamento, grilhões etc... -, perdão. E se alguém que conheça essa filha, desta crônica tomar conhecimento e lha contar que escrevi estas linhas peço perdão pelo gesto de escrever, mas afirmo: de alguma forma com ela sofri esses dez anos de impedimento. E lhe apresento aqui minha tristeza.



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