quinta-feira, 10 de março de 2011

A queda da beleza no meio da rua

Diego Padgurschi/Folhapress
 Ana Hickmann caiu, mas o povo é que sofreu escoriações generalizadas 

O poder contagiante e a representatividade do carnaval na cultura brasileira são inegáveis. O desfile de escolas de samba, especialmente as do Rio, é um fenômeno que traz em si um mosaico do imaginário nacional, uma espécie de ópera que caminha e dança e canta e faz a catarse da grande dor chamada Brasil. O desfile na avenida, assim como o futebol, é acontecimento pluri e meta, fênix anual. É algo ao mesmo tempo pungente e doido de alegria.

No desfile do Rio de Janeiro acontecimento que poderia ser tomado em sua essência eventual como algo só exatamente isso, eventual, tomou, todavia, destaque em função da personalidade nele envolvida: a belíssima, a riquíssima Ana Hickmann escorregou em rodopio e caiu em baque sólido, chapado e bruto em meio àquela gente tão modesta. Que fingia, em suas fantasias, ser tão galharda e triunfante quanto a beldade estatelada. Ledo engano.

Acho que o fato traz, em sua singeleza, algo a ser pensado: não festejo o sofrimento da pessoa. Mas vejo, no fato da suprema ilusão, no simulacro da alegria obrigatória do carnaval, toda a tragédia do povo que se reinventa por alguns dias e explode de si na vitória da escola de samba favorita. E os humildes batuqueiros ficam felizes tendo a seu lado a beleza portentosa de mulher intensa e linda.

O que  não se percebe é que a deusa falsa, que dançava em meio à alegórica diversão fantasiosa, era apenas isso: mulher bela e vaidosa, por alguns momentos similar aos que a cercavam. E mesmo assim caiu. Diante disso o que pensar da queda diária do povo nas filas e no salário mínimo, na escola de bairro que não funciona e na ambulância de pneu furado. 

Ana Hickmann caiu, mas está bem. O povo é que sofreu escoriações generalizadas.

Nenhum comentário: