sexta-feira, 4 de junho de 2010

Charge: New York Times
Na vida real, nenhuma bala deixa de matar
Emanoel Barreto

Diz a Folha: O navio irlandês Rachel Corrie prossegue com seu objetivo de tentar furar o bloqueio a Gaza para entregar ajuda humanitária aos palestinos, mas deve atingir a zona de proibição de navegação de 20 milhas (32 km) somente no sábado pela manhã, informou a ONG "Free Gaza" em comunicado. O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, já informou que o navio "não chegará" a atracar.

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O parágrafo de abertura da matéria, que em jornal chamamos de lead, há muito aportuguesado para lide, se apresenta tecnicamente como a redação conhecida como "lide de confronto". Expõe claramente posições de antítese. No caso, antecedidas pelo deslocamento do navio em direção a forças hostis. Ou seja: o lide passa ideia de tensão, suspense ante o presumível massacre que os fuzis israelenses farão aos ocupantes da embarcação, desarmados e indefesos.

Como num filme, as vítimas presuntivas se encaminham ao clímax da tragédia, mesmo sabendo do seu possível destino sob mãos agressoras. Martírio ante os olhos da humanidade perplexa. Ou não: seria possível, creio, a comandos treinados assumir o comando do navio sem disparos, apenas no corpo-a-corpo. Não desejo a primeira opção ou a segunda. Entendo que o socorro humanitário deveria passar sem maiores incômodos, mas, das duas situações, a segunda seria a menos ruim.

Mas, na verdade, o que quero dizer é o seguinte:  o confronto entre israelitas e palestinos se perde nas areias do tempo, para usar uma expressão já gasta. São ódios, digamos assim, essenciais. Integram já o coletivo pensante das duas partes, que somente se entendem dentro de um processo de mútua exclusão - melhor diria supressão, eliminação física daquele a quem elegeu historicamente como oponente.

São ódios tão intensos, tão insanos, que nublam qualquer tentativa de aproximação civilizada. A isso junta-se o fundamentalismo religioso. E quando religiões são determinantes para o comportamento dos povos, a insânia impera suas ordens, e as ações decorrentes de tais ordens.

O judeu se define acima de tudo por uma condição religiosa que cimenta um povo. O palestino segue o mesmo dito, uma vez que o islão comanda todos os seus atos. Sejam políticos ou privados, sexuais ou civis.
Trata-se de um confronto movido pela estupidez.

Todavia, na objetividade dos acontecimentos a que refiro, do ponto de vista do Homem, é insustentável a posição de Israel. O argumento de seus líderes para a ação que há poucos dias resultou em mortes é frágil, se não cínica. Hitlerianamente imoral. Armas pesadas contra alimentos e remédios.

Agora, o espetáculo midiático está focado na aproximação do navio à zona de exclusão. O que acontecerá? Mais mortes? Sangue? Como disse, é tal qual um filme. Só que se passa na chamada vida real. E, na vida real, nenhuma bala deixa de matar.

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