terça-feira, 6 de outubro de 2009

Foto: vita-passione-amore-emotu.blogspot.com
A estranha procissão de lêmures
Emanoel Barreto

A velha construção era a casa dele. Antiga, e vasta como o passado, o solar era um largo ambiente de muitos quartos, três salas e um primeiro andar com outras tantas acomodações. Ao redor, protegida por alto e austero muro, um gramado malcuidado ainda respirava os ares de quando era uma elegante floração de flores e verde arrodeando toda a ainda imponente construção.

Ali morava, sozinho. Uma vez por mês, realizava, à luz de velas, uma solitária cerimônia. Cercado pelo mobiliário centenário, tendo bem perto da mão um brandy e charutos, recebia uma procissão de lêmures e com eles conversava.

O que eram? Lembranças, reminiscências sofridas, pequenas histórias de si. Chegavam um a um e postavam-se, embuçados em vestes brancas, tristes como o frio, em semicírculo. E o velho barão, o último de sua linhagem, conversava com tudo o que vivera e o que deixara de viver. Todos aqueles espectros representavam, cada um, alegrias, derrotas, desfeitas sofridas, vitórias que impusera.

E assim, ele viveu até seus últimos dias, com aquela família de recordações fugidias. E um dia, quando foi encontrado morto por um empregado que vinha ali mensalmente, tinha na direita um copo de brandy e, no rosto, um sorriso amargo.

Conheci o personagem, há anos. Foi ele que me contou de sua ronda de fantasmas. Depois, foi esquecido e o solar demolido. Somente está sendo lembrado hoje, nesta crônica que fiz, enigmática. Louco? Talvez. Mas, humano, densa e desesperadamente humano.



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