segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

O Brasil virou um show. Fiquemos todos felizes

“Eu não creio em Deus, é verdade.
Mas nem por isso sou ateu.”
(Albert Camus)
Vivemos hoje a sociedade do espetáculo e do simulacro. Não vou entrar em discussões acadêmicas sobre esta visão de mundo. Este é um artigo jornalístico, não um ensaio. A comprovação, no Brasil, foi o recentíssimo show dos Stones, e as apresentações, hoje e amanhã, do U2, cujo líder , Bono Vox, visitou o presidente Lula.
Vamos por partes: quanto aos Stones, ocorreu o que qualquer pessoa de bom senso poderia antever: foi um espetáculo pleno de vigor encenado, referências musicais programadas, atitudes de uma rebeldia desengavetada e sempre renovada a cada apresentação. Ou alguém pensa que Jagger está criticanto padrões estéticos, comportamentos convencionais e outras coisas do tipo?
Jagger é um capitalista e está administrando, muito bem, seu capital: financeiro e midiático. E está se dando muito bem. O show vai virar DVD, foi visto ao vivo nos Estados Unidos e outros países e muita gente ficou pensando que participou de um "acontecimento histórico". Mas, histórico como? Onde estavam a essência, a irreverência, a força de uma mensagem de contestação?
Houve sem dúvida um espetáculo bem feito, profissional, impecável, como compete a grandes artistas. A emoção é que foi plastificada, embalada e vendida: a grandes empresas e à prefeitura do Rio.
Por outro lado, outros grandes do rock estão no Brasil. O pessoal do U2 fará suas duas apresentações. Enquanto isso, o líder teve audiência com o presidente Lula. Puro marketing, de parte a parte. O cantor tem fama de participar de espetáculos beneficentes e ergue sua voz contra injustiças sociais. Muito bem.
Mas, daí a ser recebido por um presidente de república, vai uma grande distância. Não creio que nenhum conselho de Bono tenha tido o condão de dar a Lula algum tipo de iluminação, aberto o caminho para o nirvana político, social e, por que não, ético.
O roqueiro aproveitou a oportunidade para cultivar sua imagem de campeão de causas da pobreza universal e o presidente também teve o seu ganho: politicamente correto, recebeu um artista globalizado. Esperemos que este tenha dado conselhos sobre como acabar com a viôlência dos criminosos que infestam o Rio de Janeiro.
Enquanto isso, fomos redescobertos. Agora não mais os portugueses para trocar bugigangas com os índios. Pelo menos como porto para celebridades. Depois, eles vão embora. A fome fica, a corrupção persiste, o morticínio se mantém. Mas, pelo menos, damos ao povo pão e circo.

Nenhum comentário: