quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Cascudo e o lobisomem

"Isso é bom."
(Palavras do filosófo Immanuel Kant, pouco antes de morrer)

Uma das coisas que mais gostava de fazer, quando repórter da editoria de Geral, era entrevistar Luís da Câmara Cascudo, o Mestre Luís da Câmara Cascudo. Dali, de sua casa na grande subida da Junqueira Ayres, o Professor via o Potengi amado e descortinava todo um mundo de lendas, mistérios, cantigas e danças, credos e medos que o Homem tem guardado dentro de si.

Certa vez, pautado para entrevistar o Professor, terminamos falando exatamente sobre lendas e crendices populares. As coisas do povo, a fé do povo, o medo irracional que nos acompanha a todos e se aflora nos momentos de tensão ou insegurança.

Ele me falou do saci-pererê, disse que o molequinho, em tempos outros, fizera muito medo a muitos e comparou essas épocas passadas com o tempo em que a entrevista transcorria (anos 70) e lembrou: o medo do saci, se transformara no medo da perda do emprego, no terror da inflação que, à época, roía o país.

Explicou o Mestre que o medo persiste, somente se apresenta sob formas variadas, dependendo do estágio em que se encontre uma certa sociedade. E vieram outras lendas, a caipora, o bicho-papão, a mãe d’água, a boitatá, o lobisomem, ah, o lobisomem.

Sobre a boitatá - me lembro como se fosse hoje - ele comentou: “ Bicho grande, cobrona que brilha de noite, iluminada toda pela luz dos olhos dos bichos que já comeu. Os olhos ficam brilhando dentro da cobra, meu filho...E disso o povo tinha medo, nisso o povo acreditava.” E completou: “Hoje, a boitatá é a inflação”, e deu uma de suas gargalhadas, todo ele envolto na fumaça do charuto.

Sentado em sua cadeira de espaldar alto, largos apoios para os braços, o Professor foi servido de água por Dona Dhália, sua mulher, virou-se para mim e disse: “Já estou quase mandando você baixar em outro terreiro” (era com essa expressão que ele gaiatamente expulsava seus entrevistadores). E disparou de letra: “O que mais você quer saber?”

Respondi em cima: “Professor, o senhor tem medo de lobisomem?” Sorrindo, após mais um fumarento aspirar do charuto, respondeu e sua voz tinha um tom sombrio, pesado sortilégio de quem sabe de tudo:

“Não, meu filho, não. Aqui dentro desta casa, sentado em minha cadeira, nesta cidade do Natal, sob a proteção das luzes que nos cercam, digo a você que não. Mas no sertão, numa noite de lua, numa sexta-feira aziaga, a cruviana me rondando, sim. Numa hora dessas meu filho, eu tenho medo de lobisomem. E agora, vá baixar noutro terreiro.”

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