“Viva N.S. Jesus Cristo!Viva tudo quanto é bom!”
(Grito dos bacamarteiros de Pernambuco)
Com o tempo, com a experiência, aprendemos a conviver com o Mal. O Mal pode estar na droga, no crime, no carro em contramão, no medo de ter coragem. Mas o ruim, o pior mesmo, é quando o Mal está às suas costas, às ocultas, esperando para atacar - o ruim é quando o mal está no amigo, naquela pessoa que lhe está próxima, atenta e, aparentemente, tão sua.
A história a seguir é um bom exemplo disso.
Dulcídia era uma boa moça: trabalhadora, estudiosa, acreditava ter todo um futuro pela frente. Chegava a ser brilhante, em seus estudos sociológicos. Até que um dia conheceu André, um rapaz aparentemente bom, já formado em direito e, dizia, com um sólido e movimentado escritório de advocacia.
Conheceram-se num passeio de barco pelo litoral. E ele lhe disse, olhando a lua: “Essa é a mesma lua de Marco Antônio e Cleópatra. E hoje é nossa.” Ela encantou-se com as palavras, como encantou-se com muitas outras coisas que ele lhe disse, lhe fez e propôs. Dentre essas, casamento. Claro, Dulcídia aceitou.
Aceitou e passou a comprar o enxoval, investindo muito de suas economias. Somente estranhava quando André, às vezes, sumia, por prazos que chegavam até mesmo a uma semana. Mas ele logo lhe voltava, expondo motivo de viagem profissional, trabalho inadiável, convite irrecusável, enfim, dinheiro, dinheiro que ele dizia estar ganhando, já como forma de garantir a solidez econômica do casamento.
Passou-se o tempo. Faltavam seis meses para o casamento; faltavam cinco meses para o casamento; faltavam quatro; faltavam três; dois; um; quinze dias; uma semana e...a campainha tocou às quatro da tarde. A mãe de Dulcídia atendeu. Entrou uma moça na casa, sentou-se à sala de estar. Dulcídia foi chamada a falar com ela. A mãe anunciou uma visita, advertindo “mas eu nunca vi essa moça.” Dulcídia também não, foi o que percebeu, quando chegou à sala.
A jovem pediu desculpas e apresentou-se: era Mariângela e estava ali para pedir um favor a Dulcídia. Ela espantou-se, sequer imaginando o que seria o tal favor: “Posso falar?”, disse a moça. “Posso lhe pedir o favor?” - ela insistiu.“Sem dúvida”, disse Dulcídia, completando: “Mas vamos ver se eu posso atender...”
“É claro que pode”, continuou a outra, “você quer, por favor, deixar em paz meu noivo, André?” - Dulcídia quase cai fulminada. “Então...”, balbuciou, “ele é seu...”, tentou falar, mas a outra cortou: “É isso mesmo, ele somente usou você para me fazer ciúmes e assim reatar o noivado. Assim, é melhor parar e...”
Uma Dulcídia lívida e silenciosa caminhou até a porta e abriu-a, apontando a rua à visitante. A mulher retirou-se, olhos cravados no chão. É por isso que, hoje, Dulcídia, todo ano, às quatro da tarde do dia 30 de agosto, cumpre um estranho ritual: senta-se à sala, fala em silêncio, gesticula. Depois, ergue-se e vai até a porta, que abre em silêncio. Ela está mandando embora os demônios das lembranças, que todo ano voltam, para novamente ser expulsos. Depois, ela volta a seu quarto e fica esperando André
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