Uma estranha realidade
Ao sair ontem de minha
tipografia, mais de dez da noite, não supunha o que me aconteceria. Foi assim:
caminhando pela rua mal iluminada pelos lampiões de gás, percebi que era
seguido por um orangotango de má catadura. Nos últimos tempos era sempre assim:
animais de todos os tipos nos assediavam, pediam esmolas, praticavam pequenos
furtos, assaltavam, invadiam casas.
Então, olhado para trás, notei
que ele se aproximava rapidamente. Temendo pelo pior entrei num bar onde havia
unicamente seres humanos. O orangotango, sentindo que estava em desvantagem,
recuou, meteu-se na escuridão e sumiu. Comentei com uns homens a respeito e
todos confirmaram: também sentiam-se perseguidos por bichos, como onças e
antas, todos agressivos.
Um deles, aparentando ser o
mais esperto de todos, disse que a presença dos bichos era decorrência da destruição
das florestas pelo homem. Assim, bestas as mais variadas tinham vindo para a
cidade, estabelecendo-se nos arredores e formando grandes povoados.
Agora,
organizados em bandos, atacavam a todos os homens.
Saí do bar depois de uns quinze
minutos. O macaco não estava perto. Eu temia que ele tivesse se escondido nas
cercanias, numa espécie de gesto tático ou seja: fingira ter fugido, mas havia
voltado para me pegar em momento oportuno. Mas, não: tinha mesmo ido embora.
Saí a caminhar e esperava
chegar em casa o mais rápido possível. Após meia hora cheguei à casa e tive terrível
surpresa: minha casa havia sido tomada por grande número de macacos, papagaios,
quatis e um tigre. Entrei na sala e ali estava, sentado no sofá, um grande hipopótamo.
Era o chefe do bando.
Perguntei-lhe o queria e ele: “Queremos
apenas a sua casa. Somos animais sem teto. E saia logo daqui, por favor.”
Respondi que não iria deixar
meu lar nas mãos ou melhor nas patas de tão temíveis invasores. Ouvindo isso
ele gritou uma ordem e fui dominado por um gorila, que atirou-me ao meio da rua.
Tentei voltar, mas fui expulso novamente, agora com grande violência.
Uma onça perseguiu-me e corri o
mais rápido que podia, até chegar a um bairro distante, um arrabalde. Ali
encontrei uma multidão de humanos, todos também despejados de suas casas. E
mais: a cada momento outros e outros seres humanos chegavam ao bairro, todos
também atirados de suas moradias.
Ficamos a noite inteira ao
relento, pois as casas haviam sido destruídas pelos animais. Dia seguinte
reunimo-nos e resolvemos atacar os bichos e recuperar nossas habitações. Marchamos
todos unidos, mas fomos recebidos pela tropa de choque dos bichos e dissolvida
nossa manifestação a golpes de cassetete.
Recuamos para nosso bairro periférico
e passamos a morar em choupanas. Desde então temos tramado planos para voltar
às nossas casas. Mas, sempre que intentamos uma surtida, somos repelidos pela
polícia dos bichos. Não sei mais o que fazer: temo que doravante e humanidade
tenha que correr para as florestas e ali tentar sobreviver.
Mas logo alguém me advertiu:
não há mais florestas. Nós acabamos com todas, lembra? Entendi então que
estamos perdidos: não temos mais casas ou matas. Diante disso, uma certeza:
para sobreviver precisamos aprender a galopar.
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