“Trouxe a muriçoca?”
A triste
sina de um brasileiro infeliz
Por Emanoel Barreto
Era uma vez Brasileiro. Quando foi um dia,
Brasileiro, sem saber como, estava numa fila enorme. Perguntava a um e a outro
por que estava ali. E a resposta era sempre a mesma: "Não
sei. Também estou nessa fila e não sei o motivo."
Nisso, chegou um funcionário. No peito, um crachá
que informava qual o órgão público onde trabalhava: Instituto das Instituições
Instituídas para Instituir novas Instituições e Cobrança de Taxas e
Emolumentos, Tributos, Contribuições de Melhoria, Propinas e Etc...".
Brasileiro dirigiu-se a ele: "Senhor, posso
saber o que faço nesta fila?"
O funcionário respondeu: "Não sei. Trabalho
aqui mas nem mesmo eu sei o que faço aqui. O senhor vai ter que pegar uma ficha
para se informar. Vá até aquele guichê, para receber a sua ficha."
Brasileiro: "Obrigado."
Foi ao guichê e afinal foi atendido.
"Ficha?", disse o funcionário.
"Ficha", respondeu Brasileiro.
Então, o funcionário perguntou: "Trouxe a
muriçoca?"
Brasileiro quase cai para trás e quis saber:
"Muriçoca? Pra que muriçoca?"
A resposta: "Aqui só tira ficha quem traz uma
muriçoca. Se não trouxe vá para aquela fila. Lá, eles dão fichas que dão
direito a uma muriçoca. Você vai ao Criatório Nacional de Muriçocas, apresenta
a ficha, eles lhe dão a muriçoca, você volta aqui, pega nova ficha para eu
atendê-lo novamente, eu lhe dou uma ficha e depois você vai para outra fila.
Será atendido por outro funcionário e ele vai informar porque você está na
fila."
Brasileiro dirigiu-se à fila para pegar a ficha de
atendimento no Criatório Nacional de Muriçocas. Depois de muito esperar recebeu
a ficha de número 900.000.000.000.890.000.789.982.000.000.000.777.663.000.444.
000.767.980.765.000.000.123.456.789.3334-687.987.987.095.876.456
.4329.899.999.678.543.765.900.888.076.776.98763535353535353,
79885873551414..6776737.563724131666
Quando Brasileiro viu a numeração sentiu que estava
numa enrascada. Não tinha a menor ideia do motivo pelo qual estava ali, ninguém
sabia informar nada e ele ainda tinha que pegar fichas e mais fichas para ter
direito a novas fichas.
Diante de tal a lamentável situação resolveu sair e
ir para casa. Quando um guarda notou que ele estava saindo, disse: "Vai
sair?"
Brasileiro respondeu: "Vou, não aguento mais
ficar aqui e vou embora."
O guarda foi curto e grosso: "Pode não. Bateu
aqui dentro só sai depois de ser atendido. Isso aqui é o Brasil, rapaz! Tá
pensando o quê? Volte já para a fila, para pegar a ficha da muriçoca."
Brasileiro argumentou: "Mas, quando eu vou ser
atendido? Já viu o número da minha ficha?" E mostrou o papel com o absurdo
número ao guarda.
O sujeito fez uma cara de espanto:
"Óóóóóóóóó." Então, chamou Brasileiro a um canto e disse:
"Negócio seguinte. Eu posso dar um jeitinho..."
"Pode?", perguntou Brasileiro quase
feliz.
"Posso", garantiu o outro. "Mas
precisa rolar uma merreca. Sacomé, né?"
"Seicomé", disse Brasileiro. "E
quanté?"
Era pouco, garantiu o guarda. Por um salário-mínimo
ele daria a Brasileiro uma muriçoca e ele poderia afinal saber porque estava
ali – depois de cumpridas outras formalidades por acaso existentes,
claro.
O guarda facilitou: aceitava cheque. Brasileiro nem
pensou duas vezes: passou um cheque sem fundos ao guarda. Poucos minutos depois
estava com uma linda muriçoca num belo e transparente frasco. O guarda era
contrabandista de muriçocas.
Em seguida Brasileiro encaminhou-se ao funcionário
encarregado de receber as muriçocas. Chegando lá o homem disse: "Adianta
não. Tá faltando um carimbo que eles põem na asa direita da muriçoca atestando
a procedência. Além disso, tá faltando duas meias, um pedaço de pneu de
caminhão e três palitos de fósforo, para fazer juntada ao processo."
Brasileiro deu um grito de desespero e quis fugir
para outro país. Vizinho àquela repartição havia outro país. Parece que eram os
Estados Unidos. "Opa! Vou para os Estados Unidos e lá eu me faço!"
Mas, quando Brasileiro já ia pulando a cerca o
mesmo guarda da muriçoca pulou em cima dele e disse. "Epa! Teje preso. Pra
fugir também tem que pegar ficha! Somente foge daqui depois que os home
derem ficha..."
Brasileiro então, implorou: "Não aguento mais
fichas. Posso ao menos me suicidar?"
O guarda: "Tá difícil. O país é pobre e só tem
um revólver público para suicídios. E mesmo assim tá faltando bala. Pegue
aquela fila ali e..."
Brasileiro nem esperou: caiu seco ali mesmo, mas
não foi enterrado porque não tinha tirado ficha para a morte... A família
entrou com um processo pedindo direito a enterro, mas os juízes estão em
greve...
---Falando nisso... você tirou ficha para ler
este texto?
.................
ZOORÓSCOPO
Traíra - Quem está sob a regência de traíra tem por vocação
natural a traição e o descaminho. Cuidado quem estiver mantendo romance com um
trairiano ou trairiana. Especialmente se esse alguém for do signo de Minhoca. Minhoca
é isca e sempre acaba devorada...
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