domingo, 18 de junho de 2023

 O vendedor de cárceres

Por Emanoel Barreto

O vendedor de cárceres se diz patriota, defende a família e a religião. Sabe marchar, canta hinos e brada "selva!”; é treinado em estupidez, firme no que diz e afiadíssimo em sua malsinada intenção de arrebanhar tolos e incautos, ingênuos e simplórios, broncos e brutamontes que fizeram algum curso superior, além de pobres que querem ser ricos – e ricos que querem que haja pobres que querem ser ricos.

O vendedor de cárceres consegue atrair a si as opiniões e os anseios apressados dos que pensam em soluções de penúltima hora para problemas que já duram séculos.

Ele, esse tipo de comerciante, chega gritando e avisa que se aproxima o fim do mundo e que é muito perigoso estar fora da prisão. E garante que com o povo à mercê de um certo perigo – ele inventará um perigo qualquer, um inimigo a ser destruído – todos devem embrenhar-se no cárcere e ali permanecer a salvo.

“O cárcere é também um abrigo”, eis o seu lema. Seus seguidores ficam de tal forma seduzidos que passam a acreditar em tal chamamento, sinceramente pensam em atirar-se à cadeia e efetivamente procuram as prisões e a suposta proteção dos muros altos.

E quando muitos pensam em conjunto a mesma coisa vemos que a prisão, o muro, a masmorra, a corrente, o elo, a algema e todos os instrumentos de sujeição e curvatura passam a ser a ser algo normal e necessário porque tornou-se coisa comum. E tudo o que é comum é tido como normal, mesmo que se saiba que não é por ser comum que deva ser normal.

O vendedor de cárceres é um monstro que a muitos convence de que a sua monstruosidade é desejável e visa o bem geral da nação. O vendedor de cárceres deseja que todos sejam moradores da cafua, e nos cafundós do sofrimento sintam-se como príncipes e acreditem: “Sofremos, mas estamos livres de todo o mal.”

É que no desespero o povo aceita de bom grado o domínio dos insensatos e dos mal-intencionados e estes, por sua vez, entregam as gentes à reclusão sinistra e ao calabouço sombrio, úmido e frio das desgraças da História. 

A grande fila dos prisioneiros segue entoando hinos e gritos, ameaçando o inimigo que sequer conhecem – e busca então o uso dos grilhões e das correntes.

É muito fácil vender cárceres ao povo. Os algozes convocam à detenção como quem convida a um baile suntuoso. E todos vão; em nome da família, a favor da bondade, em respeito à moral e à religião. E as pessoas passam a habitar as fronteiras trevosas da prisão que pensam haver escolhido porque lhes foi dito que a haviam escolhido.

Os vendedores de cárceres estão aí. Muitos são os que proveem a massa com cadeias e nacos de pão dormido. E os analfabetos políticos, hipnotizados e bobos, ainda dizem “obrigado, muito obrigado.”

Os carcereiros ateiam fogo e dizem que é para iluminar a noite, promovem a desordem e garantem que é para que todos entendam que estando presos terão garantido abrigo e ordem em suas vidas. E isso soa como verdade, coisa boa e necessário, pois a prisão também acolhe. 

Então, quando vir um tipo desses, resista. Para tanto, basta que lhe dê as costas e caminhe para bem distante. A Liberdade mora muito além da compreensão dos vendedores de cárceres. É por isso que eles comemoram a prisão. E deles sempre há um maioral, um boçal, um manco glorioso.

Mas também é verdade que quando não são ouvidos e louvados eles se esfumaçam e se perdem no desdém da História, não valem sequer uma vírgula. 

 

 

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