Ganhou o emprego e depois morreu
Por Emanoel Barreto
O homem, velho e com ar de desespero, entrou na redação da Tribuna do Norte, onde eu trabalhava, coisa de nove da manhã, com um pedido triste:
precisava de um emprego agora que se havia aposentado. Precisava desesperadamente suplementar a renda da família.
Na verdade, eu jamais vira
aquele homem, mas ele me buscou com grande desenvoltura. Desenvoltura que
depois compreendi era apenas expressão e resultado do desespero de alguém angustiado
com o pagamento insignificante a que estava acorrentado, agora que estava fora
do mercado de trabalho.
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Ele me disse seu nome, revelou saber que eu era
jornalista e informou que era gráfico: estava em fim de carreira e fora
aposentado quando trabalhava n'A República, o jornal do governo do estado.
Pedia que eu tentasse algo para ele em alguma gráfica ou, quem sabe, num dos
jornais de Natal. Eu disse que iria tentar, que faria todo o possível.
O homem, baixinho, agradeceu-me
muito. Não percebi no prolongado aperto de mão da despedida um outro pedido:
silencioso e angustiado aquele apelo não era um pedido de emprego, mas o grito
de um desiludido, alguém perdido, um homem que só tinha passado.
Conforme o prometido passei a
disparar telefonemas e torto e a direito, mas a resposta era inevitavelmente a
mesma: não. Ninguém tinha emprego, ninguém precisava de um novo funcionário em
gráfica ou jornais. Já estava quase desistindo, quando afinal um sim: naquela
gráfica precisavam de alguém experiente.
Estava garantido o emprego
daquele inesperado visitante. Isso se deu uns dez dias depois de sua vinda.
Quando bati o telefone no gancho, depois de agradecer pelo emprego conseguido,
bati também o olho na página policial da Tribuna, e ali estava: o homem
tinha se suicidado dia anterior, tinha se afogado no mar, no grande mar da Via
Costeira.
Descendo de um ônibus, diziam as
testemunhas, ele seguiu direto para a água e começou a entrar. Não atendeu a
gritos ou pedidos para que voltasse. Afundou, e somente dias depois o corpo foi
encontrado.
Fiquei olhando o jornal como quem estivesse vendo um filme, um videoteipe
delirante de tragédia. Era como se ele tivesse saído dali há pouco. Um minuto e
pronto: logo depois, morto; encharcado da angústia de estar vivo e sentir-se
amortecendo. Ausente de um emprego que complementasse a aposentadoria de celetista.
Fechei o jornal. E na minha
imaginação, olhando fixamente a figura inexistente e morta parada em frente a
mim, eu disse: "Mas rapaz, eu não lhe disse que ia arranjar o seu
emprego?"
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