Feitiçaria no Beco da Mucura
Por Emanoel Barreto
Todos os meninos da rua onde eu
morava recebiam das mães este conselho: “Não chegue nem perto do Beco da
Mucura.” E nada mais se dizia a respeito do motivo da ordem, que nos chegava
envolta em brumas e mistérios. Era como se nos avisassem que naquele local
morava o perigo, que é amigo do medo, que é irmão gêmeo da tragédia e da dor.
Um menino me disse uma vez que
um seu colega havia se metido a ir ao beco e jamais havia voltado. Até fora
visto uma vez depois de muito tempo, mas já não era mais o mesmo: tinha cara de
cachorro e havia atacado um senhor que ia passando.
E todos nós, unidos pelo medo,
nunca nos atrevíamos a ir ao beco. Até que um dia uma velha, de aspecto de
bruxa e muito feia, vestida em farrapos e encurvada, chamou-me a atenção. Num
repente, resolvi segui-la. “Será que mora no Beco da Mucura?” –
morava.
Ela segurava um saco feito de
tecido grosseiro. Dentro dele uma coisa viva se agitava de forma intensa e sem
parar. Imaginei que seria o filhote de um monstro, quem sabe um pequeno
lobisomem.
E contra todos os conselhos, o
bom senso e até mesmo o temor que me invadia segui a velha. Ela caminhava entre
a multidão das calçadas, e eu atrás. Afinal chegamos ao beco. Tinha aspecto
sombrio, era estreito, comprido e as casas pareciam se apoiar umas nas outras
para não cair. Era tudo tão ameaçador, as pessoas pareciam tão monstruosas, que
tive a sensação perfeita de que estava dominado por um frio inexplicável e que
quase me paralisava.
O beco fazia ziguezagues e
depois de abria em muitas vielas acanhadas. Somente então percebi: estava
perdido, andara tanto que não tinha noção de como sair, fugir seria o termo
certo, daquela situação.
Mas continuei seguindo a velha,
que afinal chegou à sua casa. Feita em madeira e taipa, folhas de zinco e
papelão era na verdade um refúgio, um buraco de morar. Percebi, olhando por uma
janela lateral: ali se amontoavam a velha e umas cinco ou seis crianças
molambentas.
Quando ela entrou ergueu o saco
numa espécie de gesto triunfal e as crianças gritaram “êêêêêêêêê!!!!!”,
festejando aquela chegada. Depois disso o que vi e vou contar aconteceu muito
depressa: a velha meteu a mão dentro do saco e dali retirou um gato que miava
enlouquecidamente. A velha bateu mão de uma faca que estava sobre uma mesa,
decapitou o animal, tirou as vísceras, esfolou a pobre vítima e jogou o bicho
direto numa panela que pôs a ferver.
Eu estava petrificado. De
repente ela virou-se para mim e disse: “Eu sabia de você o tempo todo. Era isso
o que você queria saber, não era? O mistério do Beco da Mucura? Pois já sabe,
rapazinho: o mistério daqui é fome. É servido?”
Disse isso, chamou as crianças e
todos partiram para cima de mim. Nem é preciso dizer que fugi correndo como um
louco. Depois de horas de desespero em vielas, becos e enganchos de todos os
tipos vi-me afinal fora do Beco da Mucura. Afinal cheguei a minha casa.
Dia seguinte contei aos meus
amigos a história toda, e disse: “A feitiçaria da Mucura é fome.” E, ainda
hoje, em todo o Brasil, é assim: nossa feitiçaria é a fome.
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